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Retorno

O rio não volta. O vento não volta. Panta rhei. Como reconhecer-se no fluir incessante disto tudo? Nem sei quem sou.

Tempestade

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O vento que estremece as folhas também me toca e enregela. Terá tocado você? Sussurra nos meus ouvidos, alvoroça meus cabelos... Conterá os sons de sua voz? Terá o perfume dos seus dedos? Tudo circula no vento, no vento que passou ali, que veio de lá, que chegou aqui...no vento que viaja sem limites e recolhe de todos um pouco. É sua a voz que cantarola baixinho. É sua a pele que sopra macio. É seu o alento que flutua aconchegante. Só o vento nos une, apesar da tempestade. Só no vento você, só no vento, que escapa sempre e que não gosta de paradas...

Mala

Viajar é mesmo fundamental. A mudança de ares, a visão de novas paisagens, a exposição a novos sabores e odores, o contato com costumes diversos, travar conhecimento com novas pessoas --isso tudo enriquece a mente e produz no corpo em geral estímulos saudáveis, como já se sabe. Não bastasse isso e muito mais, há ainda um outro ponto que me toca particularmente. Quando viajamos, por mais que amiúde estejamos em fuga de nós mesmos, levamos na bagagem todos os sonhos e fracassos. Se abrimos essas malas, liberamos as tranqueiras boas e ruins para um novo contexto, e esse passo pode mudar tudo, para o bem, ou para o mal. O dado é que desafiadoramente os fracassos podem ficar miúdos e se revelar outra coisa, ou mesmo os sonhos podem trazer marcas de pesadelo... Para mim em particular a mudança de perspectiva sempre trouxe melhoras: prova  de que minha miopia tende ao trágico é que normalmente descubro que confundo horrores com amores,  que confundo pequenos fiascos com perdas ...

Fuga

Passou uma placa com seu nome, conforme fujo, e sinto no ar por aqui uma mistura de cheiros bons: cheiro de flor, cheiro de mulher, cheiro de cigarro... Só a chuva continua; o resto feneceu. Por isso, corro. Corro, para não sentir mais nada. O avanço na estrada, porém, tem o efeito inverso: cada quilômetro acrescenta anos-luz de saudades; cada lufada do vento, uma respiração mais apertada. Será que ainda verei seu olhar desafiando o meu? Minha pele ainda se completará na sua? Meus lábios ainda guardarão nos seus os segredos miudinhos deste meu amor que não cessa? Estrada tão escura, caminhos tão vazios! Onde vou parar que não haja você(logo eu que adoro paradas!)? No fundo da noite e para qualquer direção, não há escapatória, e em todas as paragens há um retorno ao vazio de nós dois.

Espelho

O incômodo de ficar sozinho tem a ver com as vozes amplificadas de todos os fracassos. Não importa o catre precário, não doem as paredes escarninhas. Atormenta, isso sim, a mais completa ausência de silêncio. Não há silêncio na solidão. Há, ininterruptas, vozes obsedantes, que propõem auto-comiseração e soluções definitivas para o irrefutável, para o gritante desvalor de si mesmo, para a irrefutável, para a gritante constatação de que se falhou em quase tudo. Claro que, dito assim, tudo parece tão grotescamente exagerado, desviante e doentio. É esse o ponto, porém. Vive-se evitando a solidão, justamente para se evitar o grotesco vazio de si mesmo. Quando se está sozinho, o espelho não é necessário.
Suicídio II Estou cansado. A eternidade é bem isto de morrer toda hora. Volto e me repito sem o saber. Somente em átimos de loucura Sei que já cansei e devia deixar de existir.
Suicídio Estava ali, nos arredores da caverna. Não gostei do que vi lá fora. Pareceu-me que o mundo cinza e bidimensional que venho há tanto apreciando carrega uma sensaboria bem mais concorde com meu espírito mesquinho. Sensaboria é a minha virtude. Não quero mais sair. Sensaboria é o que sei existir para mim. Todo o resto, profuso e multidimensional, é um amontoado a que não sei me fundir, a que não posso me entregar.