PEÇO DESCULPAS





Há um provérbio que assegura existirem no mundo menos maldades do que mal-entendidos.

Estou inclinado a crer que esse provérbio tenha mais eco na vida de tipos introspectivos como eu.

Minha instrospecção, devo confessar, tem algo de covardia, de preguiça, de pusilanimidade no confronto com os outros, e a isso se somam meus volteios existenciais, descambando para um ritmo quotidiano que cheira a egocentrismo, egoísmo e maldade, mas apenas cheira...a princípio.

É isso. Tenho descoberto que meu pouco ou nenhum empenho em me abrir em face de outrem, efetivamente por preguiça e/ou pusilanimidade, que meu nenhum esforço em ousar espiar, nesse mesmo passo, o coração alheio, em me entregar ao jogo social diário da conquista de intimidades -- tenho descoberto que isso me põe aos olhos do meu próximo umas feições de desdenhosa maldade, e sigo cada vez mais ilha.
Vou, então, descobrindo, nos amores perdidos, minhas raras intenções altruísticas interpretadas às avessas, transformadas irremediavelmente em maquinações terríveis; e me dou conta finalmente que não acumulei amigos, nem inimigos, mas colhi amiúde inúmeras antipatias.

Ilha, apenas ilha desinteressante, ao largo da qual se passa. Só uma ilha, feia, maldosamente posta, a se evitar.
Mas por que escrevo isto? É neste processo masoquisa que construo minha maturidade? Ou estou me desconstruindo?

Não sou introspectivo por natureza. Lembro que por alguns anos fui o terror dos professores sérios, arruinando-lhes a aula e os nervos com minhas gracinhas. Depois, em plena adolescência, dei-me conta de minha condição de extrema pobreza, de esfaimado involuntário, magrelo, dentes encavalados e quase sem-teto.

Tornei-me introspectivo para calar o que me envergonhava; não podia ter amigos, se não podia recebê-los, e...bom...haveria toda um amontoado de fatos psicanalíticos a arrolar, mas já não suporto nada disso.

Acho que depois de um tempo de mal-entendidos começamos a crer nas aparências que os outros estampam em nós, e a coisa vira maldade mesmo.

Serrar-se dentro de si mesmo pode começar por vergonha, continuar por preguiça e terminar na maldade.

Articulo isso tudo agora, mas creio que já concluíra antes, e largar minha família (vítima do meu egoísmo), para morar sozinho, numa casa vazia, dormir no chão frio, tomar banho gelado e comer porcarias baratas para economizar, é punição que me imponho, depois de intimamente me descobrir maldoso, não mal-compreendido, maldoso e culpado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MARCO AURÉLIO (121-180)

Mais um pouco.

Escola peripatética