CONFISSÃO
Confesso que estou perdido.
Confesso que estou confuso.
Confesso que estou sem rumo.
Confesso que estou sem fé.
Confesso que estou farto da superfície de todas as coisas.
Confesso que estou farto da superfície de todas as pessoas.
Confesso que não consigo confessar como Santo Agostinho.
Confesso que toda a genialidade que viram em mim só me serve para uma coisa agora: ser amoral a ponto de vender o corpo, se tivesse oportunidade.
Confesso que isto é um pedido de socorro.
Confesso que esta é a oração que eu nunca soube fazer.
Confesso que este é o meu pior exercício de física quântica.
Confesso que devo muito e não consigo pagar.
Confesso que ganho acima da média, mas não consigo me alimentar bem.
Confesso que passo 90% do mês sem dinheiro.
Confesso que não consigo mais sonhar.
Confesso que não consigo mais me amar.
Confesso que meu coração está vazio.
Confesso que minha alma está vazia.
Confesso que meu estômago está vazio.
Confesso que minha geladeira está vazia.
Confesso que meu bolso está vazio.
Confesso que tenho pena e, por conseguinte, nojo de mim.
Confesso que estou enjoado de minha auto-comiseração.
Confesso que me eliminaria em terceira pessoa, mas que sou débil demais para um
suicídio.
Confesso que à leitura desta confissão me sinto ainda mais abjeto.
Confesso que desisto.
Confesso que desisto de crer.
Confesso que desisto de visualizar.
Confesso que desisto de orar.
Confesso que desisto de amar.
Tudo gira em torno do amor, e eu desisto de girar, girar e voltar para o buraco de onde, na verdade, eu nunca saí.
A vantagem da abjeção é que ela nos afasta de quem nos poderia amar e facilita, assim, o decair que provocamos inexoravelmente...
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