O segredo
Os pruridos existenciais, até onde me lembro, já me eram bem familiares na infância: deitar numa laje qualquer ou me estender na rua, olhar para o céu e sentir que tanto no peito quanto nas alturas haveria um grande segredo a ser descoberto...
Minha mãe contribuía para isso: dizia que eu via anjos quando era bem pequenino...
Faz muito tempo, portanto, que os velhos questionamentos existenciais e a suspeita do transcendente me atormentam, de um jeito ou de outro, e aquela sensação de estranhamento que nos destaca do cotidiano e nos faz olhar para tudo como se fôssemos de outro planeta ainda me ocorre.
Nunca deixei de me perguntar sobre o que faço aqui, não eventualmente, entre uma alegria e outra, mas de forma exaustiva, obsediante mesmo.
Isso de ser gerado, depois posto no mundo para procurar um rumo e um sentido, entre todas essas caixas que chamamos casa, por essas aberturas estreitas ou largas, retas ou sinuosas que chamamos ruas; isso de assumir um papel, seguir umas regras e ser feliz ou triste; isso de se pautar pelo tempo, pelas expectativas de um grupo em geral; isso tudo que chamamos vida, vida dentro da dita normalidade ou vida marginal, mesmo a marginal – isso nunca me convenceu.
As filosofias todas que eu sonhei compreender e desenvolver, mesmo as várias línguas que desde muito jovem planejei dominar; toda a erudição, enfim, que programei conquistar e guardar nesta minha cabeçorra eu sempre soube intimamente que eram distrações: a vida precisava ser muito mais do que isso, e isso tudo, nunca me iludi, isso tudo sempre me assomou pura tergiversação.
Não que me parecesse haver um espírito zombeteiro qualquer, nos cafundós do universo, a nos distrair do sentido das coisas. A mim sempre pareceu que a descoberta seria magnífica demais para todos nós, deslumbrante demais, brilhante demais, alucinante demais – então somos nós mesmos que nos distraímos, sabedores, no fundo de cada uma de nossas células (mas não na superfície de nossos cérebros), de que o esforço seria ingente e de que a visão do real seria de cegar.
Platão descreveu bem mais do que pretendia?
Minha mãe também.
Vem-me a vontade de rir, neste particular, porque envelhecemos para descobrir as verdades ocultas naquilo que reputávamos ingenuidade ou sandice; ficamos velhos e viramos sócios nas verdades de nossos avós e de nossos heróis fora de moda.
Para além de todas as aventuras religiosas ou filosóficas que tentaram e ainda tentam encontrar o segredo disto tudo, a ironia cósmica nos diz atualmente que a física pode ter a resposta, aparentemente tão simples, que parecerá ingênua e religiosamente filosófica. Trazê-la para a realidade, porém, continua a ser o desafio complexo do esclarecimento que nossas entranhas viciadas não querem enfrentar.

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