Escassez não existe?
É preciso proclamar que somos criadores deliberados de nossos caminhos?
É fundamental insistir que podemos querer na vida, querer sistematicamente, sem os falsos pudores, nem os vãos cerceamentos dos nossos arcabouços culturais, que impõem, como se universais e divinos, pseudo-realidades como a da escassez, como a do mérito da luta pelo sucesso, do trabalho incansável pela sobrevivência, da exaustão louvável pela prosperidade?
Desde cedo muitos de nós aprendemos que viver é lutar. Desde cedo boa parte das pessoas aprende a querer pouco, para evitar a frustração, ou a querer muito, morrendo e matando por isso, ou ainda a não querer nada, mergulhadas no esquecimento e inativação total da capacidade de sonhar.
Quantos, à vista duma lâmpada mágica e a possibilidade de três desejos, morreriam ainda assim de fome e de sede ou se arvorariam ridiculamente em donos do Universo?
Todo indivíduo deveria ser capaz de se posicionar e assumir não um "nós", mas um "eu" sagaz e autoconsciente e dizer:
--Quero uma vida física prazerosa.
--Quero uma vida mental prazerosa.
--Quero uma vida espiritual prazerosa.
--Quero uma vida social prazerosa.
--Quero uma vida financeira prazerosa.
--Quero uma vida sentimental prazerosa.
--Quero, enfim, bem-estar em todas as dimensões da minha existência.
Viver isso tudo é o que todos podemos fazer pelo bem de todos e de tudo.
Viver isso tudo é a razão de estarmos aqui, e é assim que o Universo se expande e encontra suas sempre mutáveis razões de ser.
Quando cada um pensa apenas no seu bem,
apenas nisso, não nos meios para alcançá-lo (os quais até poderiam incluir a possibilidade de trazer o mal para outrem-- e não é isso que proclamamos), quando cada um pensa no seu bem, está também e sobretudo privilegiando o BEM.
A procura egoísta do bem resulta numa soma que, para além de nossos julgamentos parciais, trará necessariamente o bem para todos.
O que se opõe a esse prognóstico são nossos vícios mentais que consideram serem as vantagens de uns as desvantagens de outros -- como se todo o Universo só pudesse ser explicado em termos de economia capitalista, de escassez e quejandos.
Nossos vícios mentais, nesse sentido, são tão fortes, que a mente ri suavemente do que foi dito, vê surgir contornos de ingenuidade e se pergunta se nossos contemporâneos deixarão essas assertivas prosperar impunemente...
Para nossas estruturas mentais atuais, pode ficar angustiantemente difícil lidar com este novo horizonte em que reconhecemos a ineficácia dos heróis e líderes e a discrição irritante dos deuses, para sobre os quais não mais podemos arremessar nossos descaminhos existenciais.
Pensar egoisticamente nosso bem pressupõe um protagonismo existencial que não admite um deus ex machina, nem a anulação pessoal de um assecla.
Pensar egoisticamente nosso bem poderia levar o individualismo às últimas consequências, mas, na verdade, dá nascimento , num aparente paradoxo, ao tipo de bem que nenhuma caridade foi capaz de desvelar, o bem total que subverte todas as nossas noções já bem sedimentadas de sociedade moderna (muitos gritarão com desprezo: --Utopia!)
Se somos capazes de sorrir inspirados em nosso real bem-estar, o mundo sorrirá conosco, e é disso que o mundo precisa: sorrir sinceramente.

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