Sauntering






        Fui um adolescente essencialmente solitário e amante das longas caminhadas.

        Gastava boa parte do meu dia indo a bibliotecas distantes, onde procurava uma verdade que me iluminasse, um caminho que me trouxesse leveza e liberdade.

        A vida era dura, faminta, obscura.

        Nunca considerei a hipótese materialista, porque meu estar no mundo físico era tacanho demais, para ser elevado à última instância da explicação existencial.

        Era preciso haver algo para além daquela lama toda, e esse algo devia estar ao alcance da mágica, não da lógica, porque, pela lógica que me era permitida então, a lama seria meu elemento até o fim.

        A frase desalentadora "O mestre só aparece quando o discípulo está pronto." resume o dilema (Ninguém sai da lama, se estiver na lama) e expõe a verdade das exceções mágicas que eu procurava.

        Se estamos prontos, não precisamos mais do mestre.

        Como, porém, ficar pronto sem o mestre?

        Então, em verdade, nunca saí da lama.

        Nunca fiquei pronto.

        Nunca achei a exceção mágica.

        Nunca, apesar de todas as teorias amontoadas orgulhosamente entre capas e contracapas, nunca!

        Uma vida inteira de busca inútil?

        Não consegui, nem consigo ainda, enxergar a mágica, se é que ela existe; e se não existe (já não passou da hora de admitir que não existe?), isto tudo é mesmo uma grande bobagem que não importa a ninguém e explica muito andar "torto" por aí, "torto" e, não obstante, feliz.

        Ser feliz é o que importa; pisar a lama distraidamente no caminho - e encontrar diversão nisso - é o que vale, o que vale mais do que objetivos obsessivos e revolucionários. 

        Idealismos, messianismos, altruísmos e quejandos são apenas formas disfarçadas de solipsismo bonitinho e socialmente aceito.

        Muitos conseguem ser felizes em sua própria lama ou na lama dos outros; eu, não.


        Passado tanto tempo,  há momentos, como este, em que me sinto o escárnio de mim mesmo, nesta crença louca(?) de que há sentido em estar vivo e pensante; e o sentido de minha vida (cada vez se impõe com mais força a constatação) parece ser um troço cambiante como a água...

       Pensar tem dessas coisas, inclusive a dúvida, nem sempre sistemática, quanto a se estou de fato pensando...

        Eu sou?

          



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