Jardim de Epicuro
Toda manhã é uma promessa de alegrias e tristezas, e é possível escolher conscientemente qual senda tomar.
A escolha nem sempre é simples para um adulto (mormente quando sua realidade imediata não ajuda), demanda treino, muito treino, um treino que poderia ser dispensado, se em criança tivéssemos conservada nossa conexão essencial e incondicional com o fluxo natural de alegrias que permeiam a existência.
Ao invés, trabalhamos arduamente para obliterar tal conexão e impingimos à criança a imagem de um mundo maniqueísta, em que a alegria é posta como conquista árdua e cheia de condicionantes, e a tristeza, como fluxo natural a ser constantemente evitado, embora anunciado diariamente nos noticiários, nas conversas, nas obras de arte e quejandos, como um verdadeiro charme da existência.
Mesmo com o risco de parecermos ingênuos e simplistas tendo como arcabouço nossas longas tradições artísticas, filosóficas, religiosas, econômicas etc, urge redizer que a verdade de alegrias e tristezas repousa sobre hábitos mentais mais do que sobre a realidade material. Nesse sentido, não é difícil ver anjos caídos e, ao invés, demônios saudosos do paraíso; miseráveis sorridentes e milionários à beira dum suicídio.
Não temos uma "educação para a alegria", uma "educação para a abundância", uma "educação para o prazer", e, não por acaso, em nosso sistema de valores, louvamos a superação pelo trabalho, aceitamos dor em troca de uma promessa de paraíso e não conseguimos ver senão como marginal ou louca exceção a beleza de viver com o espírito leve.
Queremos, ao invés, que as pessoas sejam "realistas" e vejam como "a vida é dura", insistindo em que o dever venha antes do prazer, como se nosso dever supremo não fosse justamente o prazer, ou seja, achar o justo modus vivendi em que o prazer seja a constante e a tristeza seja apenas o contraste necessário para a evolução do universo, não o seu elemento.
Nestes tempos de ressignificação do óbvio, precisamos refundar o Jardim de Epicuro e nele cultivar o melhor que foi dito sobre a vida e seu elemento mais profícuo: a alegria e suas variantes.
Toda manhã é um recomeço com a deliciosa perspectiva de caminhar pelas aleias do nosso jardim de delícias.
Ao contrário do que há milhares de anos nos querem fazer crer, nunca fomos expulsos desse jardim!

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