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O segredo

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Os pruridos existenciais, até onde me lembro, já me eram bem familiares na infância: deitar numa laje qualquer ou me estender na rua, olhar para o céu e sentir que tanto no peito quanto nas alturas haveria um grande segredo a ser descoberto...  Minha mãe contribuía para isso: dizia que eu via anjos quando era bem pequenino...  Faz muito tempo, portanto, que os velhos questionamentos existenciais e a suspeita do transcendente me atormentam, de um jeito ou de outro, e aquela sensação de estranhamento que nos destaca do cotidiano e nos faz olhar para tudo como se fôssemos de outro planeta ainda me ocorre.  Nunca deixei de me perguntar sobre o que faço aqui, não eventualmente, entre uma alegria e outra, mas de forma exaustiva, obsediante mesmo. Isso de ser gerado, depois posto no mundo para procurar um rumo e um sentido, entre todas essas caixas que chamamos casa, por essas aberturas estreitas ou largas, retas ou sinuosas que chamamos ruas; isso de assumir um papel, seguir um...

Ad lib

É noite Noite de lua Noite estrelada Pelo vão da janela Procuro Vida Na vastidão do céu Mas a vida que importa Se encontra aqui Bem ancorada No desvão do meu peito É tarde E ela nua É tarde E ela cansada Dorme alheia A esta vigília astronômica De perscrutar lá E encontrá-la aqui De mansinho Em curvas formidáveis.

Mais um pouco.

São dois os grandes desafios da vida: descobrir o próprio Dharma, segui-lo com discernimento. Penso no Dharma como num "encosto": toda vez que me perco existencialmente, dou uma olhadinha pra trás e recorro ao Daimon, pra tentar entender o sentido das coisas e retomar o rumo certo. A vida é tão fluida e complexa! Ela pode ser cheia de significados ou vazia. Pro indivíduo, porém, dá na mesma: nascimento, envelhecimento, morte. Vivo neste afã de me convencer de que tudo vale a pena, de identificar meu Dharma e seguir, seguir inexoravelmente até a beira da falésia, como todos, simples ou complexos, pobres de espírito, ou esclarecidinhos... No final das contas sou apenas mais um.

Retorno

O rio não volta. O vento não volta. Panta rhei. Como reconhecer-se no fluir incessante disto tudo? Nem sei quem sou.

Tempestade

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O vento que estremece as folhas também me toca e enregela. Terá tocado você? Sussurra nos meus ouvidos, alvoroça meus cabelos... Conterá os sons de sua voz? Terá o perfume dos seus dedos? Tudo circula no vento, no vento que passou ali, que veio de lá, que chegou aqui...no vento que viaja sem limites e recolhe de todos um pouco. É sua a voz que cantarola baixinho. É sua a pele que sopra macio. É seu o alento que flutua aconchegante. Só o vento nos une, apesar da tempestade. Só no vento você, só no vento, que escapa sempre e que não gosta de paradas...

Mala

Viajar é mesmo fundamental. A mudança de ares, a visão de novas paisagens, a exposição a novos sabores e odores, o contato com costumes diversos, travar conhecimento com novas pessoas --isso tudo enriquece a mente e produz no corpo em geral estímulos saudáveis, como já se sabe. Não bastasse isso e muito mais, há ainda um outro ponto que me toca particularmente. Quando viajamos, por mais que amiúde estejamos em fuga de nós mesmos, levamos na bagagem todos os sonhos e fracassos. Se abrimos essas malas, liberamos as tranqueiras boas e ruins para um novo contexto, e esse passo pode mudar tudo, para o bem, ou para o mal. O dado é que desafiadoramente os fracassos podem ficar miúdos e se revelar outra coisa, ou mesmo os sonhos podem trazer marcas de pesadelo... Para mim em particular a mudança de perspectiva sempre trouxe melhoras: prova  de que minha miopia tende ao trágico é que normalmente descubro que confundo horrores com amores,  que confundo pequenos fiascos com perdas ...

Fuga

Passou uma placa com seu nome, conforme fujo, e sinto no ar por aqui uma mistura de cheiros bons: cheiro de flor, cheiro de mulher, cheiro de cigarro... Só a chuva continua; o resto feneceu. Por isso, corro. Corro, para não sentir mais nada. O avanço na estrada, porém, tem o efeito inverso: cada quilômetro acrescenta anos-luz de saudades; cada lufada do vento, uma respiração mais apertada. Será que ainda verei seu olhar desafiando o meu? Minha pele ainda se completará na sua? Meus lábios ainda guardarão nos seus os segredos miudinhos deste meu amor que não cessa? Estrada tão escura, caminhos tão vazios! Onde vou parar que não haja você(logo eu que adoro paradas!)? No fundo da noite e para qualquer direção, não há escapatória, e em todas as paragens há um retorno ao vazio de nós dois.